terça-feira, 23 de maio de 2023

TEMPO DE POESIA EM ÉPOCA DE REDES SOCIAIS


Por Patrick Ariel

 

Adquiri num evento de uniersidde o livro recém-lançado sobre o poeta Milton Rezende. Praticamente passou despercebido tanto o autor quanto os seus poemas e essa dissertação resgata esse lapso inconcebível e inicia a fortuna crítica do autor mineiro.

 

Trata-se do livro “Tempo de Poesia: Intertextualidade, Heteronímia e Inventário Poético em Milton Rezende”, da autora Maria José Rezende Campos, publicado através da Editora Penalux  (2015).

 

O livro já nos pega pela capa que, segundo a autora, é a representação gráfica de um dos poemas do Milton: Obstáculos. Na contracapa, em meio às gotas de chuva do desenho, um comentário do consagrado Ivo Barroso, tradutor de Hesse, Rimbaud, entre tantos outros.

 

As orelhas trazem a apreciação do Prof. Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, orientador da autora no mestrado em letras que resultou na presente publicação. O prefácio foi escrito por Anderson Pires da Silva e a apresentação traz a rubrica de Nícea Helena Nogueira, ambos conceituados professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

 

Por esse arcabouço já se pode perceber a excelência da presente e oportuna publicação acadêmica que, no entanto, nos prende pela coloquialidade dissertativa, tornando a leitura palatável e prazerosa desde o primeiro momento. Mérito, sem dúvida, da Maria José que soube “penetrar com denodo e carinho, os meandros mais intricados da obra do nosso Milton”.

 

O livro em questão é dividido em quatro partes ou eixos temáticos que versam sobre a intertextualidade, a heteronímia, o processo de criação e os espectros do Spleen encontrados no poeta Milton Rezende, que já possui nove livros publicados e completa agora, em 2016, trinta anos de estrada literária desde a publicação de “O Acaso das Manhãs”.

 

Repassemos então, em breves pinceladas, os capítulos ou temas estudados, pois temos a plena certeza que nenhum comentário substituirá a completa leitura do livro: como nos filmes em que a sinopse deve servir para aguçar ainda mais a vontade de ver todo o filme. Eu, Patrick Ariel, poeta inédito e estreante, ficaria satisfeito se os eventuais leitores das redes sociais (que conseguiram chegar até aqui) me acompanhassem até o final e fossem além, adquirindo um exemplar do livro e através da leitura e apreciação pessoal, tirassem as suas próprias ideias e conclusões.

 

Já ressentimos muito, desde algum tempo, a morte ou a mordaça das análises críticas nos órgãos de imprensa e a ausência daqueles grandes críticos literários que dissecavam autores e obras em grossos compêndios. Nos tempos de colégio achávamos aquilo maçante e hoje quantos de nós não daríamos tudo para ter de volta os antigos suplementos com seus artigos teóricos.

 

No primeiro capítulo a autora faz um apanhado geral sobre a intertextualidade em seu contexto histórico e correlaciona-a, em particular, com seu objeto de estudo, o poeta Milton Rezende e nos poemas em que ele adota tal procedimento que, em se tratando da poética contemporânea é bastante comum e corriqueiro, assim como o uso das epígrafes. A meu ver essa intertextualidade no autor estudado enriquece sobremaneira os seus escritos sob uma perspectiva dialética em paralelo com autores como Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos e Drummond – verdadeiros ícones em que o poeta se espelha, reverenciando e enriquecendo com um olhar próprio e apropriado.

 

No capítulo seguinte é dada ênfase no estudo da heteronímia e, com originalidade, a autora Maria José nos revela um completo panorama deste recurso largamente empregado no fazer poético do Milton. Demonstra que os heterônimos deste autor dialogam com o próprio e entre si mesmos, o que, sem dúvida, é uma particularidade bastante interessante em se tratando do uso de heterônimos, que teve sua expressão máxima com o grande Fernando Pessoa. Aliás, a autora traça esse paralelo entre o poeta português e o fazer poético do Rezende, misto de funcionário público e celebridade rural escondido no anonimato das montanhas de Minas.

 

Na sequência vem uma análise da Maria José, engenheira da palavra e autora perspicaz que agora se depara e se debruça sobre o processo de criação do poeta mineiro, dissecando, discernindo e exemplificando com inúmeras poesias retiradas dos livros do autor, formando desde já uma breve antologia de poemas estudados que poderá ser usada como base para novos estudos, dela própria ou de outros aventureiros dispostos a levar adiante a tarefa de retirar o Milton do limbo acadêmico e levá-lo à apreciação de mais leitores.

 

No último capítulo, a autora se dedica a rastrear os indícios ou resquícios do Spleen na obra do autor, como se fossem espectros do romantismo ainda vivos e remanescentes na contemporaneidade dos temas abordados, tais como o subjetivismo e a morte. Para tanto faz um apanhado global da escola romântica vigente na segunda metade do século XIX e aborda autores como Álvares de Azevedo e sua correlação com a lírica atual e reinventada nas temáticas predominantes do poeta Milton Rezende.

 

Finalmente, para fechar o livro, há um apêndice e um anexo formado por diversas entrevistas com o próprio poeta (concedidas em diferentes períodos e contextos) e também com alguns escritores e poetas amigos, conterrâneos e/ou conhecedores da obra do autor de Ervália.

 

Dito isso, acho que só nos resta ler o livro da Maria José e, através dele, dar um passo e um impulso rumo à obra poética do Milton, descobrindo e desvendando novas sendas de fruição, percepção e compreensão da gênese literária empreendida por este “poeta de escrita tão refinada, familiar aos leitores da poesia moderna, mas ao mesmo tempo estranha aos leitores da atual poesia contemporânea”.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Revista O Bule: 'Boi descomedido' e 'Com um berço nas costas'

Revista O Bule: 'Boi descomedido' e 'Com um berço nas costas': Por Milton Rezende Boi descomedido (Manuel Bandeira, 1886-1968), Opus 1     Como em turvas águas de enchente , Me sinto a meio submergido En...

QUANDO DEUS NÃO É SUFICIENTE


 

Prezada Lica Campolin,

Não farei uma resenha do seu livro porque resenhas geralmente se aplicam a livros de literatura, ficção e o seu livro é um relato, um depoimento pessoal e contundente sobre uma situação dolorosa que você viveu juntamente com o seu filho Júlio que, infelizmente, veio a falecer. Mas é também uma história de vivência e de aprendizado.

O seu livro inicialmente me convidou à leitura devido ao título que achei instigante. Depois reparei e gostei da capa, ainda não sabendo do que se tratava e o que representava. Mas logo você explica que são nomes de alguns doadores de sangue e de medula óssea que fizeram para o seu filho. Então lembrei-me das dezoito transfusões de sangue que tiveram que fazer em mim enquanto eu estive internado e inconsciente no c.t.i por 90 dias.

“primeiro a gente põe o pé,

  depois Deus coloca o chão”

Gostei mais da segunda parte do livro, ou seja, suas reflexões depois da morte do Júlio. Foi, sem dúvida, a melhor parte embora se referisse, na verdade, à pior parte vivida por você, ou seja, a ausência do seu amado filho.

Então, conforme seu convite na contracapa, pulemos juntos neste abismo. Só depois, bem depois é que reparei que aqueles nomes na capa formavam um esboço do rosto do Júlio Campolin. Na verdade, todos nós somos apenas um esboço e não passamos disso e “Deus não é mesmo suficiente”.

Que não se procure no seu livro muita literatura e nem foi esse o seu propósito ao escrevê-lo. Simplesmente teve que escrever para tentar expurgar a dor. Mas há momentos literários no livro como na página 153, um verdadeiro poema.

Vou abrir aqui um parêntesis para explicar o que eu disse anteriormente e o faço com o propósito de compartilhar o que vivenciamos e que, de uma certa forma, se assemelham. Você faz explicitamente um louvor e um agradecimento à equipe médica que cuidou do seu filho, especialmente a um médico em particular. Não tive a mesma sorte.

Em 2016 tive que fazer uma cirurgia aparentemente simples que, por imperícia médica, se complicou e quase perdi a vida, embora persistem e irão persistir pelo resto dos meus dias as sequelas de um derrame cerebral que eufemisticamente chamam de a.v.c. Prefiro a forma antiga quando se denominavam as coisas pelo que elas realmente eram.

Enfim, tive este episódio dentro do próprio c.t.i, num hospital em que entrei para fazer uma simples cirurgia por vídeo e disseram-me que dentro de três dias eu teria alta e depois de quinze dias poderia voltar ao trabalho e à vida normal. Acabei ficando 90 dias entre a vida e a morte, em coma, e estou hoje aposentado por invalidez permanente e irreversível.

Mas como se diz por aí “vida que segue”. Só abri este parêntesis para dizer que eu, estando inconsciente, minha esposa, que estava o tempo todo atuante e ativa vivenciou mais ou menos, ou seja, de uma forma semelhante tudo que você narra em seu livro. Com a diferença de que eu, ao contrário do seu filho, acabei pendendo para o lado da continuidade da vida e até mesmo os próprios médicos dizem não entender como eu pude sobreviver. Mistérios e muitos dizem que deve haver nisso algum propósito que eu não sei qual seja e nem sequer consigo alcançar. Como no seu livro Lica, são perguntas e perguntas e muitas questões para as quais eu acho e acredito que nunca obteremos respostas.

Mas afinal, apesar das dificuldades e das dores que eu sinto, ainda agradeço, pois, o meu cognitivo não foi afetado, como comumente acontece nesses casos, e prossigo escrevendo e publicando os meus livros até a hora fatal e derradeira.

A página 193 do seu livro é maravilhosa e transcrevo-a aqui, desejando que sirva sobretudo para você e para todos aqueles que sofrem. Espero e desejo sinceramente que você possa suplantar como no capítulo final de “Quando Deus não é suficiente”.

 

...”às vezes, o coração rasgado pela dor, vira retalho.

recomenda-se nesse caso,

costurá-lo com uma linha chamada recomeço

é o suficiente”...

(A. Santos)

 


 

 

sábado, 20 de maio de 2023

VIDA ABERTA

 


O COMPÊNDIO DE SOLHA

 

“VIDA ABERTA”, livro recentemente lançado pela Penalux, do poeta/escritor Waldemar José Solha. De tal modo que se alguém perguntar do que se trata o referido livro, mostre a ele o poema do João Carlos Taveira e diga: trata-se disso!

Quatro expressões me acorrem ao terminar de ler, pela segunda vez, o livro do Solha. Conhecimento enciclopédico, poder de observação, erudição e imaginação estupenda. Dir-se-ia ser um longo poema talvez um pouco hermético, mas tão bem estruturado e ritmado que a O João Carlos Taveira sintetizou muito bem a experiência de ler a “VIDA ABERTA” e a dificuldade em grande parte se dilui.

 

“da flecha ao míssil,

tudo segue,

difícil:

insuficiência

em tudo”

 

Um livro com um monte de referências que o enriquecem e até nos atordoam, mas, não sei porque, me remete aos repentistas nordestinos.

 

“se o que leio me bastasse

não escreveria.

por que o faria?”

 

E logo adiante uma espécie de suma poética, escatológica ou estudo das últimas coisas, mas que permeiam tudo desde a gênese do mundo, ao início de tudo, passando até pelo naufrágio do Titanic e temos afinal “a vida – triste e bela como enigma”

“e a terra...indo pro escuro,

sem o menor

futuro!”

 

Solha, não sei como classificar o teu livro, só sei que ele desestabiliza, deixa-nos meio tontos e embriagados das palavras. Como diz o próprio subtítulo: “Tratado Poético-Filosófico”.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 


sexta-feira, 19 de maio de 2023

MALDITOS


 

“Que eu não me aproxime muito

do reino do sonho da morte

que eu possa vestir esses discretos disfarces

pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas

esta é a terra do morto

esta é a terra do cacto”.  T.S. ELIOT

 

      O romance “malditos” de Anderson Pires da Silva foi uma leitura que me pegou desde o início, até o fim.

      Com uma trama bem urdida, um ritmo ágil, constitui uma daquelas leituras que você não quer interromper logo, ansiando pelos seus desdobramentos. Este sem dúvida é um mérito do autor.

      Todos os personagens do romance são uns desajustados, assim como a nossa sociedade, portanto um retrato sem retoques do meio em que, infelizmente, vivemos.

      O clima de suspense perpassa toda a obra, como se fosse um roteiro.

      Há muitos diálogos no livro que vão conduzindo e desvendando a trama, num recurso bem empregado que confere agilidade ao texto.

      Aqui e ali, percebe-se que passou alguns erros de revisão, mas que não chegam a comprometer a compreensão da frase.

      O mesmo pode se dizer, talvez, de um uso meio exagerado de chavões, palavrões e estrangeirismos.

      Tendo como subtítulo “uma ficção gótica existencialista”, realmente possui pitadas do sobrenatural e de mistério que faz com que a gente simplesmente não consiga parar de ler, deixando o leitor totalmente preso.

      Enfim “malditos” é um daqueles livros que nos surpreendem e que eu recomendo aos leitores.

 


    

quarta-feira, 17 de maio de 2023

LAMENTOS


 

Jonas Pessoa, como se pode observar, escreve sobre a temática social, mas vista de dentro e não de fora como comumente é observada e descrita. O problema social geralmente é tratado em cima de dados estatísticos. Os governantes, todos eles, adoram fazer isso: apresentam cifras e números e ocultam o Ser, o lado humano do sofrer. Como aquele ditado que diz que “quem vê o doente não vê a doença da pessoa”.

Jonas Pessoa não faz isso, sua escrita espreita o lado de dentro, sob a perspectiva da doença, das chagas sociais cotidianamente pisadas por todos nós e nem sequer sujamos os sapatos das nossas consciências empedernidas, fechadas sobre si mesmas.

Pode-se argumentar que o registro meramente social e coletivo não seja matéria de poesia, mas a impressão que eu tive ao ler os originais de “Lamentos” é a de que o Jonas não está muito preocupado em fazer literatura e sim tentar desnudar a verdade escondida sob o tapete vermelho da hipocrisia.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

IMPRESSÕES SOBRE O LIVRO DO GONZALO DÁVILA BOLLIGER



Gonzalo, terminei de ler o seu livro "Rumo ao âmago da própria voz". muito interessante essa ligação com a música, o rock progressivo, principalmente. "eu passei a vida rascunhando gritos em uma sala de espelhos". legal isso. rei dos mortos e ao mesmo tempo um espantalho que se declara um artista. "o maior dos artistas" o que o leva a ser, por conseguinte, a ser o rei da tristeza. "-oh convidados, meus leitores/meus semelhantes, meus hipócritas, pupilos!!/não abandonem estes arabescos dourados,/eles irão se emaranhar como serpentes em teus crânios/e fazê-los sofrer como quem dentro-/do próprio túmulo em que houvesse nascido-/lesse o seu próprio epitáfio/. Você, Gonzalo, demonstra ter uma estupenda imaginação. neste teu livro eu observei características de Bob Dylan e Fernando Pessoa na pessoa do Álvaro de Campos, como no poema das páginas 115 e 116 - muito bom. a ressalva que eu faço é referente ao concretismo dos irmãos Campos, Augusto e Haroldo & Décio Pignatari que pretenderam decretar o fim do “ciclo histórico do verso” e, a meu ver, não obtiveram nada e isso só trunca a fluidez dos versos e da leitura.

mas a impressão geral que fica é a de um bom livro e de um bom autor. parabéns!!!


domingo, 14 de maio de 2023

FLORIR NO ESCURO


 

“aquela escuridão, que eu não me esqueça,

Era toda ela a noite mais espessa,

O mais espesso susto, o que não cessa

De espantar e arder, assombração.”

 

Lendo o livro do Chico Lopes, “Florir no Escuro” (Editora Penalux) eu percebi ou me dei conta de que eu estava no meio de uma “cantiga de ninar fantasmas”, tal as camadas de silêncio e fúria que perpassam os seus densos versos. De uma densidade memorialista. Poesia madura, de gente grande que mora na vizinha cidade de Poços de Caldas.

 

DUPLO

 

“Um demônio de ironia

Nunca me deixa, tranquilo,

Disciplinar meu fluir.

 

Sempre uma parte de mim

Ri a valer da outra parte

Que intenta me corrigir”.

 

Lá pelas tantas na leitura do livro deparo-me com o seguinte e expressivo verso: “poupa-me do açúcar do teu pus”

Destaco o poema “Horas a fio”, um dos mais fortes do livro, para uma leitura atenta e concentrada. Mas, sem dúvida, o poema que mais me impressionou é “mãe”. Contundente e belo.

E para finalizar essa leitura de um autor que eu não conhecia só posso recomendá-lo aos interessados em literatura da boa. Ficarei aguardando a leitura do “Caderno Provinciano”, cujo título já me pegou logo de cara e na essência.

 

 

 “e o relógio só dá hora

Para o mesmo velho encontro -     

O de mim com meus escombros”.   

sábado, 13 de maio de 2023

ENTREMEIOS


 

“Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta,

Mas um dia afinal eu toparei comigo...

Tenhamos paciência, andorinhas curtas,

Só o esquecimento é que condensa,

E então minha alma servirá de abrigo. ”

                        Mário de Andrade

 

Acabei de ler o romance EntreMeios, acho que por umas duas ou três vezes em uma única vez. Explico-me: foi uma leitura feita de idas e vindas. Recapitulações. Tentando lançar luzes sobre alguma passagem já anteriormente lida e não totalmente absorvida, e este foi um processo enriquecedor. Fiz com este livro uma leitura “sui generis”: antes de eu terminar eu recomeçava e lá pelas tantas iniciava tudo de novo, mas mantendo as pontas do início e do desfecho afinal cíclico.

Não quer dizer com isso que seja um livro de leitura difícil, mas requer perspicácia e a vontade de continuar lendo e continuar sorvendo tudo porque trata-se de uma prosa poética, ou melhor, verdadeira poesia em prosa – deliciosa e vermelha.

Saí deste livro de estreia com uma palavra formulada nos desvãos do meu cérebro já antigo e que ainda gosta de se expressar com palavras em desuso justamente quando requer e precisa de um termo forte para anunciar algo novo e inovador. Uma estreia deveras ALVISSAREIRA.

Há que se ressaltar neste livro, publicado pela Editora Reformatório, seu caráter bastante diferenciado e promissor, bem como enaltecer esta nova autora, Cassia Penteado, que publica seu primeiro romance e promete.

Literatura concisa, cheia de frases como laminas afiadas da faca de sashimi, “que permite um corte perfeito com um único golpe”. Lamina limpa antes de ser usada. Impressionante.

Dir-se-ia que é um romance duro, cruel, mas simultaneamente límpido e doce, como aquele personagem singelo que vai enrolando o seu cigarro de palha, nesta passagem da mais pura magia: “ele desembrulha um pedaço de tabaco torcido e enrolado em corda. Do bolso da calça fina de tergal cinza, ele traz o canivete de aço inox com detalhes em madrepérola; era ainda menino quando o herdara do avô. Com ele fere e descama o fumo que armazena na palma da mão, depois o despeja na folha de palha, enrola-a na superfície da ponta dos dedos, leva à boca aquela gaita de palha recheada de tabaco picado, lambe a borda da folha com a ponta da língua e, com a saliva, cola-a no corpo do cigarro, encerrando a obra”.

Procedimento simples e poético que contrasta com os muitos coágulos de sangue que virá antes e depois, em profusão. No cérebro emaranhado de traumas e pesadelos e culpas da personagem principal, ou seriam duas personagens mulheres? Ou apenas uma, a mesma? É preciso ler o Entremeios para saber.

Numa passagem inóspita e realista a personagem se questiona: “extirpar o útero de mulher que jamais parira? Sou chão batido em que a semente não germina, sou árvores maldita que não deu fruto, aguilhoada pela ardência da devassidão da infertilidade. O destino poupara-me a desgraça de gerar víboras, de ter, nas palmas, o enxerto fecundo de outra anomalia a perpetuar minha vileza. Jamais desejei reproduzir algo que não partisse de meu cérebro, dos meus sentidos, e a vida secou inopinadamente as minhas entranhas”.

Um romance feito de fendas e camuflagens e com a capa vermelha como glóbulos de sangue, muito sangue. Afinal havia um buril, sim um buril.

 


sexta-feira, 12 de maio de 2023

UMA PERGUNTA PARA O POETA E ESCRITOR MILTON REZENDE



P: Canal Acontece nos Livros - Whisner Fraga.

Milton, fale um pouco sobre o seu processo criativo.


Meu projeto literário, enquanto planejamento, pode-se dizer que iniciou com a publicação do meu primeiro livro O Acaso das Manhãs (1986). Comecei a escrever aos 13 anos de idade, mas eram esboços, etapas de um aprendizado. Eu enchia cadernos e mais cadernos com manuscritos e depois várias pastas datilografadas, mas aos 20 anos queimei todos eles, pois achava que já era hora de encarar a literatura mais a sério.

Entretanto, de vez em quando, retornam à minha memória alguns daqueles versos e eu sinto nostalgia daquela espontaneidade que o tempo fez questão de sepultar. Eu lia muito por esta época, mais do que eu leio atualmente e meus autores preferidos foram se consolidando até chegar a esta tríade que me acompanha até hoje: Drummond, Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos.

Mas há outros, não menos importantes, como o Bandeira, o Graciliano Ramos, Edgar Alan Poe, H.P. Lovecraft, entre tantos.

Eu reviso muitas vezes os meus escritos, acho isso fundamental, principalmente para autores que, como eu, não submete os seus textos a ninguém antes de serem publicados. portanto eles não devem ter palavras faltando nem sobrando e esta é a minha única medida. Mas mesmo assim é preciso esperar algum tempo pela decantação do texto porque “a literatura é a emoção recolhida em tranquilidade”, no dizer do autor inglês W. Wordsworth.

E entendo a literatura como registros, retratos de si,  pistas que deixamos como pegadas na areia de uma posteridade que, provavelmente, ninguém irá notar.

Quanto a linguagem eu prefiro uma que seja enxuta, direta, sem rodeios. “sua forma de escrever é ácida, sem concessões. seus poemas são mordazes, incrivelmente corajosos. ele nunca poupa a si mesmo nem ao mundo. Milton vem da melhor tradição da poesia e prossegue com ela” (M.S).

os meus temas predominantes são a solidão, o amor e a morte. Tudo o que foi retido no território bruto e confuso da memória, reminiscências, revolta e um pouco de ternura. 

Minhas preferências são várias, mas de um modo específico, muitas delas giram em torno da morte, dos cemitérios, figuras estranhas e insólitas permeadas por um fator sobrenatural e um fator filosófico. Como de resto em toda a minha poética, esses fatores.

Em 2013 foi defendida e aprovada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e depois, já em 2015, publicada em livro a dissertação de mestrado de Maria José Rezende Campos intitulada “Tempo de poesia: intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, constituindo assim na primeira publicação a tratar da fortuna crítica do autor.

Finalmente eu tenho ainda mais alguns, poucos, projetos literários na cabeça, pelo menos em esboço que espero concluir. De qualquer forma pretendo chegar a um ponto onde eu possa pelo menos suster o meu processo criativo e dar por encerrada a minha atividade literária. Talvez mais uns quatro volumes e já estará de bom tamanho. Ainda nesse ano de 2022 sairá o meu livro ANÍMICA (no prelo) e depois, quem sabe conseguir publicar a minha Antologia Poética. Feito isso ficarão faltando, eu acho, mais dois livros para encerrar. Ciao!                            

Gênese: neste texto eu digo “autores que, como eu, não submete os seus textos a ninguém antes de serem publicados.”

isso, no meu caso, é mesmo verdade, exceção feita a “Mais uma xícara de café”. A composição e a escrita deste livro foi algo sui generis que, em mim, não vai se repetir. Mesmo porque, por problemas de saúde, hoje eu já não bebo e tudo o que escrevo é “a frio”.

Escrevi  Mais uma xícara de café”, como digo no próprio decorrer do livro, basicamente sob os efeitos do álcool no organismo. Numa espécie de escrita que obedecia unicamente ao fluxo da consciência ou da sua inconsciência. Eu pretendia colocar em prática uma espécie de “escrita automática”, algo assim como abrir “As Portas Percepção”. Pois bem, fiz isso em geral no livro todo, mas é claro que no dia seguinte, sóbrio, eu relia todo o trecho e fazia meus apontamentos, correções, revisões e mesmo supressões ou alterações no texto escrito na noite anterior. Mas mantendo a sua essência, o seu fluxo e ritmo próprios.

Naturalmente, depois do original pronto, eu estava confuso e inseguro quanto ao resultado final. Se teria qualidades a ponto de eu decidir publicá-lo.

Assim sendo, pela primeira e única vez eu resolvi submetê-lo à opinião alheia na pessoa do poeta e escritor conterrâneo Marcelo Serodre, então meu amigo e a quem eu prezava sobremaneira a sua opinião literária. Não sem razão.

Então ele, após a leitura, escreveu-me um e-mail desancando o meu original, apontando-lhes inúmeros defeitos. Foi como um balde de água fria. Mas como eu respeitava seus conceitos e opiniões tive que agradecer-lhe pela leitura e os “palpites” que dera. Alguns eu achara pertinentes e outros nem tanto. Isso foi alguns anos antes de 2006/2007, quando da sua redação final e definitiva.

Coloquei os originais na gaveta para decantação e amadurecimento em mim. Lendo-o e relendo-o várias e repetidas vezes eu lhe achava qualidades apesar dos muitos defeitos. Resolvi então colocar as mãos na massa e modificar e reescrever alguns trechos ou passagens. Fiz um trabalho consciente e meticuloso e considerei-o “quase pronto” e acabado. E quando eu considero alguns dos meus livros prontos e acabados eu não mexo mais neles e essa segunda versão eu submeti à apreciação do grande poeta e tradutor Ivo Barroso, meu amigo e também conterrâneo de Ervália, Minas Gerais.

Dessa sua leitura e apreciação ainda surgiram pequenos ajustes aqui e acolá que eu fiz, mandando-o para a editora e ser, finalmente, publicado. Isso já era o ano de 2017. Portanto um longo percurso e espera que valeram a pena, pois foi muito bem recebido a ponto de o consagrado Ivo Barroso chama-lo de “livrão”. Assim o “Mais uma xícara de café” finalmente veio a lume.

www.miltoncarlosrezende.com.br

 

 

quinta-feira, 11 de maio de 2023

POEMA VOZES


Cristiano Durães, gostei do seu poema “Vozes”. São realmente muitas vozes, polifônicas. Talvez o nosso bardo ancestral devesse ter feito como você diz:  “Camões devia ter deixado os versos irem mar adentro”. Mas não o fez e então continuamos, hoje e sempre, lutando com as palavras nessa batalha inglória. Admirei muito a estrofe:

 

“...e tenho estado entregue ao nocaute

como quem reconhece no desmaio

a última oportunidade

de um sono tranquilo”.

 

Naquilo que me cabe do poema, realmente continuo ainda revirando (ou tentando revirar) “a terra da sepultura” até que se proceda o inverso e a terra seja jogada por cima de mim, aquela mesma terra que deixei amontoada num canto.

 


quarta-feira, 10 de maio de 2023

ARRAIA DE VIDRO, de Jonas Pessoa

 

                                        

O primeiro livro que li do Jonas Pessoa foi Lamentos, nos idos de 2017, alguns anos depois eu tenho diante dos meus olhos os originais de Arraia de Vidro e percebo agora uma nítida evolução do autor e permanece, como não poderia deixar de ser em se tratando de literatura, o mesmo e velho impasse. Se no livro anterior esse impasse se dava mais pelo caráter social, agora o dilaceramento do eu poético permeia toda a obra e não há uma possibilidade de redenção, sequer de congraçamento. É sempre o choque e o estampido.

Descer uma escada de costas parece ser razoável quando no cimo não há nada e as crianças morrem de “balas achadas” e não “balas perdidas”, pois acharam elas, as crianças, ao rés do chão.

Talvez a maior ironia do livro seja contrapor algumas alegrias da infância, como empinar papagaios de papel quando o ouvido se fecha aos ecos dos gritos das necessidades. O poeta parece sentir o baque da realidade cruel e busca, momentaneamente, instaurar o espaço do lúdico nos fios frágeis da infância.

Nas andanças do poeta Jonas o mesmo idílio se estabelece num lugar utópico de convergência do humano numa época extremamente distópica como esta em que vivemos.  Não está fácil e é preciso suportar e superar o entrechoque “mesmo que o fardo pese é preciso transpor, ruminando seus silêncios como quem está admirando os vitrais de uma catedral”.

Há neste livro do Jonas algumas belas imagens realistas que você pode ir pinçando aqui e acolá como lampejos sobre um mesmo ponto cego como se fossem “cantigas de ninar homens sem dentes”. Então, como se num sonho do impossível o poeta finaliza dizendo “a palavra é para mim a chave que destrava as algemas da língua e me liberta da prisão do silêncio”. Arraia de Vidro, é então um livro sobre silêncios e distâncias.

“Nenhuma palavra quebra-me a taciturnidade,/

construí o lar em cima do alicerce do silêncio,/

como não havia nada a dizer,/

fui edificando o exílio/

lá onde a luz está sempre apagada.”

 



terça-feira, 9 de maio de 2023

A PROPÓSITO DE QUE "A LITERATURA NÃO VENDE"


 



Realmente, além de tudo isso referente às dificuldades do mercado livreiro, há ainda um grande silêncio envolvendo a literatura. Mesmo que você consiga publicar e divulgar a sua obra em sites, blogs e jornais a contrapartida geralmente é esse grande silêncio de que falei: ninguém comenta, ninguém critica e poucos são os que repassam ou divulgam o trabalho de outro escritor ou poeta. Mesmo entre aqueles (poucos) que adquirem um exemplar do livro, raramente alguém se dá ao trabalho de retornar de alguma forma, seja elogiando, criticando ou mesmo “descendo a lenha”. Então é isso: esse silêncio eloquente que precisamos vencer e que tem sido, muitas vezes, mais difícil do que conseguir a publicação do seu trabalho pelas editoras e a posterior tentativa de vendagem dos exemplares.

Revista O Bule: 'Como das outras vezes' e '1902 - Drummond - 1987'

Revista O Bule: 'Como das outras vezes' e '1902 - Drummond - 1987': Por Milton Rezende Como das outras vezes eu tive que me perder para me encontrar retroceder para seguir adiante no meio do escuro. um ...

segunda-feira, 8 de maio de 2023

A propósito de “o privilégio dos mortos” livro de Whisner Fraga




o filme “ Bonitinha, mas ordinária”, um clássico do cinema nacional, com bela atuação do saudoso José Wilker e inspirado na célebre peça de Nelson Rodrigues. Mas o bordão/ideia-fixa do filme, que foi repetido diversas vezes pelo personagem Edgard, é “O mineiro só é solidário no câncer”, frase atribuída a Otto Lara Resende.

Esta frase tornou-se icônica, mas não é bem verdade. Entretanto dita pelo ator José Wilker  com tanta e especial ênfase  que eu me recordo até hoje, donde se depreende que a ênfase é tudo. O próprio Drummond tem um verso neste sentido ao dizer “as coisas/que triste são as coisas consideradas sem ênfase” ( in A Flor e a  Náusea).

Então, para todos os efeitos, tornou-se realmente verdade que o mineiro só é solidário no câncer. Por extensão poderíamos dizer, alargando o seu horizonte e seu alcance que “O brasileiro só é solidário no câncer”. Aliás, eu acho que é assim que se encontra no filme, não tenho bem certeza.

No romance de Whisner Fraga “o privilégio dos mortos”, publicado pela Editora Patuá no ano de 2019, tem muito disso, pois trata-se de um romance composto, todo ele, de frases poéticas, algumas de efeito. Poder-se-ia dizer, exagerando um pouco, já que o livro é extenso com 250 páginas, que é um longo poema em prosa. Mas não. São frases poéticas mesmo, soltas, avulsas, lapidares, como pássaros esvoaçantes, em todo o corpo do livro. Você pode ir pinçando aqui e acolá a seu bel prazer, estas frases, helena.

O narrador, de passagem por Tejuco, sua cidade natal, retornando a ela diz: “fui até a rua seis e, a poucos passos do portão verde da casa em que meu amigo morou, ainda estava em dúvida se devia  gritar por ele ou não”. E foi assim que o personagem-narrador “começou a questionar a sua morte” a morte do seu amigo heitor. E para ele, o narrador, “o processo só se completa quando eu contemplo o cadáver, quando atesto, que a pessoa abandonou, de fato, esse mundo”. “e eu não queria enlouquecer, pois os loucos sofrem demais, helena.

Mais adiante o narrador segue introjetando a perda do amigo à sombra de sua cidade natal Tejuco.

“e na noite anterior, helena, eu vinha cansado de outros juízos e não consegui, por um momento, acatar as pistas da lógica e depois, depois, helena, convivia com essa excentricidade: eu precisava ver o corpo, eu precisava tocar o frio, a ausência, a rigidez, para me certificar do fim e foi isso que se deu, certamente foi isso, porque eu havia deixado Tejuco e presenciei a morte de meu amigo, apenas naquela folha a-quatro descorada, que anunciava a missa de sétimo dia”.

 

“o pânico é uma necessidade de deserção”.

 

E o narrador do livro, num paroxismo de álcool e de delírio desenterra o seu amigo heitor. Este romance é feito, todo ele, assim: não há um enredo definido e obedece ao fluxo de consciência do narrador/autor.

Outro recurso utilizado, além de ser escrito totalmente em letras minúsculas, até para nomes próprios é a inserção da “personagem” helena, sempre citada ao longo do livro, dando a ele uma coloquialidade e uma fluidez tremenda. Verdadeiramente um achado literário, não é mesmo, helena?

É quando afinal, e ao final do livro, a turma chega ao cemitério de Tejuco para celebrar a morte do amigo heitor. E eles são alguns e a turma entre excitada e embriagada, pois embriaguez e sensualidade é o que de melhor define a morte, desde os filmes do Nosferatu, de Marnau, com excepcional interpretação de Max Schreck,  quando ele sobe as escadas do imponderável e do inevitável. E então esta turma suborna o coveiro com uma garrafa de cachaça e vão todos celebrar a Morte, a morte do amigo heitor e numa “evasão” erótica de corpos despindo de suas vestes e dançando sobre as tumbas que nem observam quando o narrador do romance se distancia uns quinze metros rumo ao túmulo do seu amigo heitor e o desenterra e abrindo o  caixão abraça o cadáver do amigo “vendo e sentindo o corpo do seu amigo inchado, seu amigo incompleto, seu amigo carcomido, seu amigo escurecido e sente vontade de abraça-lo, de  beijá-lo como fazem aqueles que se despedem e o puxa para perto, sentindo tudo que eventualmente fora pele, que fora carne, que fora músculo, que fora união, cola nele e, mesmo enojado, avança seus lábios e aproxima a cabeça do seu peito e sente medo de que tudo desmorone, tem medo que algo que já tenha sido ele, heitor, esteja por perto e não goste daquele carinho, de forma que tenta não amarotar o terno cinza...” e se despede do seu amigo indagando:  “o experimento de deus tem prazo de validade?”

 

                         “a proximidade da morte fortalece minha fé,

                                         o que me resta senão isso?

                                                  resta-lhe o mundo.

                                                       e a esperança?

                                                    a esperança não.”

 

 


domingo, 7 de maio de 2023

A LITERATURA EM ERVÁLIA


A literatura em Ervália existe e resiste desde sempre. Sempre tivemos aqui poetas e prosadores que no seu devido tempo deixaram seus escritos, registros de uma vida e de uma época que se esgotava, sem muitas formas de divulgação para se perpetuar.

Antigamente não existiam os meios e as facilidades de que hoje dispomos, tais como a imprensa através de jornais, revistas e livros. Muito menos os meios cibernéticos hoje altamente difundidos e acessíveis a quase todo mundo. Refiro-me à internet e suas inúmeras janelas que ela abre para a exposição de conteúdos.

Da minha infância lembro-me do Quidinho, ou Kid ou pelo seu nome completo: Euclides Franklin Júnior. Conheci-o como consertador de rádios e televisores e era um sujeito bastante “excêntrico”: dormia de dia e trabalhava de noite, quando a iluminação precária da cidade, sendo menos utilizada neste horário, permitia-lhe trabalhar em melhores condições.

Mais, além disso, eu não sabia, e só vim conhecer a história dele já na minha idade adulta, através do contato e do conhecimento que eu estabelecera com o nosso grande poeta e tradutor Ivo Barroso. Então eu soube que o Quidinho era uma sumidade nas letras e um homem extremamente culto e inteligente, mas não tendo os recursos disponíveis que temos hoje não pode prosperar e deixar-nos o legado da sua sabedoria.

Então, dessa forma e por essa época é que conheci o Ivo Barroso. Eu já havia publicado dois livros e enviei-os para ele no Rio. Ele gostou e a partir daí nós mantemos uma correspondência literária que chega até os dias de hoje.

Foi dele a ideia de, junto comigo, realizarmos um concurso literário para a juventude ervalense visando, quem sabe, descobrir algum (novo) talento escondido ou alguma promessa literária para o futuro.

Esse concurso teve o patrocínio da Câmara dos Vereadores e foi realizado em 2016, com diversas inscrições e premiações. Um acontecimento. Mas, infelizmente, não apontou nenhum nome que se destacasse como promessa literária, mas valeu a iniciativa e serviu para, talvez, quem sabe, estimular alguns daqueles jovens a insistir e persistir e evoluir nesse caminho.

Em 2015 a E. E. Professor David Procópio realizou um Sarau Musical e para o evento imprimiu alguns banners com os trabalhos dos participantes e então eu pude conhecer um poema do Anatole Ramos, já falecido, que admirei bastante.

Isso demonstra o quê: que há muito por se descobrir e fazer pela literatura ervalense, tomada como um todo. A criação deste Fórum Ervalense de Cultura pode, no rastro dessa lei Aldir Blanc “potencializar uma cultura que emerge, que pode ter impulso para emergir e criar condições de leitura e recepção da literatura na cidade”, no dizer do Cristiano Durães.

Da minha geração é mais fácil eu falar, pois vivi e convivi com alguns deles, tendo a oportunidade de conhecer seus trabalhos no momento mesmo em que estavam sendo produzidos. Eu poderia destacar o Marcelo Serodre, autor já com alguns livros publicados de ótima qualidade literária e estética.

Por ocasião das minhas pesquisas para escrever o livro “De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – Uma introdução” eu pude ter conhecimento de diversos outros autores ervalenses desconhecidos para mim até então: Hélio Taveira, Paulo Toledo, Pedro Pimentel, e o Vicente Caetano.

E tive a grata surpresa de “descobrir” do fundo do tempo uma poesia chamada “Décima” que narra o episódio da morte por assassinato do João Nicolau, espécie de “Cangaceiro do Herval”, composição de autoria desconhecida que além do seu valor histórico foi muito bem escrita e estruturada.

Da safra nova eu tive a alegria de poder estar conhecendo agora as produções do Túlio Mattos, do Juliano Oliveira, do Tarcísio Popó e do Cristiano Durães. Até comentei com o Ivo dessa satisfação que é poder perceber que novos talentos vão surgindo em nossa Ervália, levando adiante o bastão, pois eu sempre tive para mim que a literatura é uma corrida de revezamento.