quarta-feira, 10 de maio de 2023

ARRAIA DE VIDRO, de Jonas Pessoa

 

                                        

O primeiro livro que li do Jonas Pessoa foi Lamentos, nos idos de 2017, alguns anos depois eu tenho diante dos meus olhos os originais de Arraia de Vidro e percebo agora uma nítida evolução do autor e permanece, como não poderia deixar de ser em se tratando de literatura, o mesmo e velho impasse. Se no livro anterior esse impasse se dava mais pelo caráter social, agora o dilaceramento do eu poético permeia toda a obra e não há uma possibilidade de redenção, sequer de congraçamento. É sempre o choque e o estampido.

Descer uma escada de costas parece ser razoável quando no cimo não há nada e as crianças morrem de “balas achadas” e não “balas perdidas”, pois acharam elas, as crianças, ao rés do chão.

Talvez a maior ironia do livro seja contrapor algumas alegrias da infância, como empinar papagaios de papel quando o ouvido se fecha aos ecos dos gritos das necessidades. O poeta parece sentir o baque da realidade cruel e busca, momentaneamente, instaurar o espaço do lúdico nos fios frágeis da infância.

Nas andanças do poeta Jonas o mesmo idílio se estabelece num lugar utópico de convergência do humano numa época extremamente distópica como esta em que vivemos.  Não está fácil e é preciso suportar e superar o entrechoque “mesmo que o fardo pese é preciso transpor, ruminando seus silêncios como quem está admirando os vitrais de uma catedral”.

Há neste livro do Jonas algumas belas imagens realistas que você pode ir pinçando aqui e acolá como lampejos sobre um mesmo ponto cego como se fossem “cantigas de ninar homens sem dentes”. Então, como se num sonho do impossível o poeta finaliza dizendo “a palavra é para mim a chave que destrava as algemas da língua e me liberta da prisão do silêncio”. Arraia de Vidro, é então um livro sobre silêncios e distâncias.

“Nenhuma palavra quebra-me a taciturnidade,/

construí o lar em cima do alicerce do silêncio,/

como não havia nada a dizer,/

fui edificando o exílio/

lá onde a luz está sempre apagada.”

 



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