segunda-feira, 22 de maio de 2023

QUANDO DEUS NÃO É SUFICIENTE


 

Prezada Lica Campolin,

Não farei uma resenha do seu livro porque resenhas geralmente se aplicam a livros de literatura, ficção e o seu livro é um relato, um depoimento pessoal e contundente sobre uma situação dolorosa que você viveu juntamente com o seu filho Júlio que, infelizmente, veio a falecer. Mas é também uma história de vivência e de aprendizado.

O seu livro inicialmente me convidou à leitura devido ao título que achei instigante. Depois reparei e gostei da capa, ainda não sabendo do que se tratava e o que representava. Mas logo você explica que são nomes de alguns doadores de sangue e de medula óssea que fizeram para o seu filho. Então lembrei-me das dezoito transfusões de sangue que tiveram que fazer em mim enquanto eu estive internado e inconsciente no c.t.i por 90 dias.

“primeiro a gente põe o pé,

  depois Deus coloca o chão”

Gostei mais da segunda parte do livro, ou seja, suas reflexões depois da morte do Júlio. Foi, sem dúvida, a melhor parte embora se referisse, na verdade, à pior parte vivida por você, ou seja, a ausência do seu amado filho.

Então, conforme seu convite na contracapa, pulemos juntos neste abismo. Só depois, bem depois é que reparei que aqueles nomes na capa formavam um esboço do rosto do Júlio Campolin. Na verdade, todos nós somos apenas um esboço e não passamos disso e “Deus não é mesmo suficiente”.

Que não se procure no seu livro muita literatura e nem foi esse o seu propósito ao escrevê-lo. Simplesmente teve que escrever para tentar expurgar a dor. Mas há momentos literários no livro como na página 153, um verdadeiro poema.

Vou abrir aqui um parêntesis para explicar o que eu disse anteriormente e o faço com o propósito de compartilhar o que vivenciamos e que, de uma certa forma, se assemelham. Você faz explicitamente um louvor e um agradecimento à equipe médica que cuidou do seu filho, especialmente a um médico em particular. Não tive a mesma sorte.

Em 2016 tive que fazer uma cirurgia aparentemente simples que, por imperícia médica, se complicou e quase perdi a vida, embora persistem e irão persistir pelo resto dos meus dias as sequelas de um derrame cerebral que eufemisticamente chamam de a.v.c. Prefiro a forma antiga quando se denominavam as coisas pelo que elas realmente eram.

Enfim, tive este episódio dentro do próprio c.t.i, num hospital em que entrei para fazer uma simples cirurgia por vídeo e disseram-me que dentro de três dias eu teria alta e depois de quinze dias poderia voltar ao trabalho e à vida normal. Acabei ficando 90 dias entre a vida e a morte, em coma, e estou hoje aposentado por invalidez permanente e irreversível.

Mas como se diz por aí “vida que segue”. Só abri este parêntesis para dizer que eu, estando inconsciente, minha esposa, que estava o tempo todo atuante e ativa vivenciou mais ou menos, ou seja, de uma forma semelhante tudo que você narra em seu livro. Com a diferença de que eu, ao contrário do seu filho, acabei pendendo para o lado da continuidade da vida e até mesmo os próprios médicos dizem não entender como eu pude sobreviver. Mistérios e muitos dizem que deve haver nisso algum propósito que eu não sei qual seja e nem sequer consigo alcançar. Como no seu livro Lica, são perguntas e perguntas e muitas questões para as quais eu acho e acredito que nunca obteremos respostas.

Mas afinal, apesar das dificuldades e das dores que eu sinto, ainda agradeço, pois, o meu cognitivo não foi afetado, como comumente acontece nesses casos, e prossigo escrevendo e publicando os meus livros até a hora fatal e derradeira.

A página 193 do seu livro é maravilhosa e transcrevo-a aqui, desejando que sirva sobretudo para você e para todos aqueles que sofrem. Espero e desejo sinceramente que você possa suplantar como no capítulo final de “Quando Deus não é suficiente”.

 

...”às vezes, o coração rasgado pela dor, vira retalho.

recomenda-se nesse caso,

costurá-lo com uma linha chamada recomeço

é o suficiente”...

(A. Santos)

 


 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário