segunda-feira, 28 de março de 2022
ANÍMICA
“Anímica” poesias e prosa poética é o 13º livro publicado do
escritor Milton Rezende que acaba de vir à público pela Editora Penalux. Na
orelha da obra Rezende fornece breve descrição de como o livro surgiu e de como
foi viabilizada a sua edição: “A ideia deste livro veio de uma
derivação. Eu já tinha pronto e no prelo, para sair, a minha Antologia
Poética. Acontece que era um projeto maior, que cobria grande parte da
minha produção poética ao longo destes exatos 36 anos de estrada literária, a
contar da data da publicação do meu primeiro livro, 1986. Então tornou-se
inviável economicamente, no curto prazo. Nesse ínterim surgiu a possibilidade
da inscrição em Ervália, MG, minha terra natal, numa iniciativa cultural no
âmbito da Lei Aldir Blanc. Remodelei meu projeto, enxuguei-o ao máximo para se
enquadrar aos valores e parâmetros estabelecidos pela Lei e o inscrevi ao
certame. Foi escolhido e agora ele é este livro que você tem nas suas mãos. Acolha-o,
como se acolhe um protótipo de algo maior, mas que, no entanto, pode ter a
certeza de que ele é autônomo e traz todas as características específicas a si
mesmo e nada fica a desejar ao corpo maior de onde foi extraído.”
Esclarecemos de saída que o termo Anímico deriva do grego
animé, que significa alma. Basicamente o livro é dividido
em 4 partes. Coletânea Cemiterial, Poesias traduzidas, Poemas sequenciais e Prosa
poética. Nele o leitor encontra o escritor
experiente, que faz perquirições existenciais de suma importância para o mundo
tresloucado no qual transformamos o que vivemos hoje. Quanto à primeira, parte
da obra, merece registro o fato de que Rezende é autor de outra obra publicada
em 2014 que tem o título de “A magia e a arte dos cemitérios”. Um alentado
estudo sócio-histórico sobre os cemitérios configurando-os como espaços em que
arquitetura, paisagem e artes visuais dialogam com a morte e onde aflora o
sentimento de angústia, inerente ao ser humano diante da certeza de seu fim.
Lugar onde, fundamentalmente, luto e melancolia, tristeza e dor, medo e
sobrenatural materializam-se e ganham evidência. A espacialidade desses
ambientes, onde a consciência da finitude humana se faz presente e nos instiga,
expõe também uma certa cultura material que age sobre nossos sentidos e ações e
revela um singular aspecto da morte domesticada. Como se isto nos fosse
possível...
Milton Rezende se refere à condição humana em uma estrofe do
poema “Poética I”:
... “Os homens estão todos presos / e o poema é apenas um
grito / que sufoca em palavras o desespero / dessa nossa cela absurda.”
Oportuna a publicação repetimos, porque no mundo hoje, para
além de uma pandemia que já ceifou 3,5 milhões de vidas, conflitos militares
aqui e ali seguem se multiplicando ameaçando desastres humanos de proporções
mundiais.
Embora nos questionemos pouco sobre a morte, acostumados que
vamos ficando com a ideia de ‘parquinho de diversão eterno’ em que querem
transformar (sem êxito algum), o planeta Terra. A humanidade segue sua
caminhada insensata fomentando paixões que consomem, ódios e diferenças que se
aprofundam.
Dono de um estilo que mistura lirismo com pitadas de ironia
e sarcasmo O autor nos faz refletir, por que as gerações se sucedem como
camadas de areia que acarretadas incessantemente pelas ondas, vão cobrir outras
camadas que as precederam? Por que esses trabalhos, essas lutas, esses
sofrimentos, se tudo deve terminar no sepulcro?
No poema “A voz do silêncio”, ainda na série da Coletânea
Cemiterial, o poeta a certa altura escreve:
... “Mas a terra / (com seus vermes) / decompõe ao seu
contato / todo o meu aprendizado / doloroso da vida.
E uma cova me absorvendo / transforma tudo o que fui / num
triste resumo de pó / que um dia se chamou homem.
E que lhe deram um nome / (que tive), mas que a terra /
aterra no tempo o traço / nominal dessa efemeridade.”
Em sua carreira, para onde vai, pois, o homem? Para o nada
ou para uma luz desconhecida? A natureza, risonha, eterna, moldura as tristes
ruínas dos impérios, com os seus esplendores. Nela nada morre, senão para
renascer. Leis profundas, uma ordem imutável, presidem às suas evoluções. Só o
homem, com suas obras, terá por destino o nada, o olvido? Qual o homem que a si
mesmo não pediu explicação desse mistério? E que não refletiu no que o espera a
si próprio? Seria a morte triste repouso no aniquilamento, ou, ao contrário, o
ingresso em outra esfera de sensações?
No meio de nossos rudes labores, nenhum ideal elevado,
nenhuma noção clara do destino nos sustém; daí nossos desfalecimentos morais, os
excessos de revoltas. Extinguiu-se a fé do passado; o ceticismo, e o materialismo
hedonista, substituíram-na, e, ao sopro destes, o fogo das paixões, dos
apetites do desejo, tem-se ateado. As convulsões nos chegam a todo momento. O
testemunho dos sentidos e a experiência da razão vão nos escapando a passos
largos.
Já em outro poema, “Ocorrência”, lemos:
“Tocar com os dedos / os meandros da verdade, / num
transporte de desejo / onde o ceticismo perde em essência, / já que acompanhado
do impulso de vida / que caracteriza a vontade da procura.
A pretensão de assim reter / uma parcela dos fatos / e com a
cumplicidade do sonho, / extrair um pouco de uma felicidade / que de tanto
escassa foi perdida / em delírios de falsa vitória.”
É preciso fazer florescer uma nova concepção do mundo e da
vida – e isto já foi falado muito! – um conhecimento de leis superiores, uma
afirmação da ordem e da justiça universais, apropriadas a despertar em nossos
corações uma fé mais firme e mais esclarecida no futuro, um sentimento profundo
de nossos deveres, um afeto real por nossos semelhantes, capazes de transformar
a face de nossas sociedades.
Estamos cansados de viver como cegos, ignorando a nós
mesmos, pois a satisfação das obras de uma civilização material e inteiramente
superficial não convencem. É preciso aspirar a uma ordem de coisas mais
elevada.
Custa crer que a vida seja mera ironia da sorte, ou o
resultado de um acaso estúpido. Há controvérsias sabemos, mas não damos sequer a
importância devida (porque não nos melhoramos individualmente), que certamente ela
é consequência de uma lei justa e equitativa, que abre perspectivas radiosas de
futuro, e fornece um alvo mais nobre sobre nossas ações, para que afinal, se
faça luzir um raio de esperança na noite das incertezas, aliviando o fardo de
nossas provações, e ensinando a não mais temer a morte.
Que dizer de um poema como “Ciclo II”?
Quando a chuva neutralizar / a esperança das flores no chão
/ uma semente irá se desenvolver / à imagem e perspectiva de tornar-se, /
sintetizando em si todo o anseio dos homens / para que de seus ossos não se
faça apenas / um cemitério, mas também um canteiro.”
Dizem que o filósofo francês Jules Michelet teria escrito
que “O amor não mata a morte, a morte não mata o amor. No fundo entendem-se
muito bem. Cada um deles explica o outro.” Talvez pensando nisto, Milton
Rezende tenha concluído seu livro Com 3 deliciosas prosas poéticas que, apesar
de se encadearem como passagens da vida de
um escritor solitário, têm a firme ancoragem justamente no amor.
Livro:
“Anímica”, Poesia e prosa poética de Milton Rezende – Editora Penalux, Guaratinguetá
– SP, 2022, 106p.
ISBN 978-65-5862-260-4
LINKS: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/animica
OU
https://www.facebook.com/milton.rezende.96
Book
Trailer da obra pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=xkqasVHAn3E
(*)
Krishnamurti Góes dos Anjos tem publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo
– Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,
Embriagado Intelecto e outros contos, Doze Contos & meio Poema e À flor da
pele – Contos. Participou de 28
Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Há textos
seus textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru,
Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último romance publicado pela editora
portuguesa Chiado – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro
lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira
de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com
resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a
crítica literária resenhou mais de 300 obras de literatura brasileira
contemporânea publicadas em diversos jornais, revistas e sites literários. //////
terça-feira, 22 de março de 2022
Comentário sobre o livro Anímica
MILTON REZENDE
-
Há quatro
ou cinco anos, recebi um livro dele e lhe pedi desculpas porque me pareceu
muito pesado para o momento que atravessava: o do câncer que acabaria por levar
meu filho. Agora, quando emendamos a pandemia à infame guerra da Rússia contra
a Ucrânia, amargando um nosso governo que chega a ser sinistro, recebo ANÍMICA,
novo livro de MILTON REZENDE – editado pela Penalux – cuja
primeira parte, “Coletânea Cemiterial” – abre com o poema “Na Lápide de Augusto
dos Anjos", em que se lê que
“seus
versos (...) subsistiram aos vermes
que agora
me espreitam”.
Minha
reação me mostra que meu problema persiste. Dói, ler, em “A sentinela que
fica”, que
“Existe
uma imensa solidão em mim”.
Mais
adiante, “Velório” me faz engolir em
seco:
-
“O
defunto estava com as mãos cruzadas sobre o peito.
Flores
cobriam todo seu corpo e o rosto estava lívido.
Os braços
eram demasiado magros e cadavéricos”.
-
O efeito
Edgar Allan Poe sobre Augusto dos Anjos, fora repassado para Milton Rezende,
mesmo sem a linguagem científica e de ritmo contundente do paraibano. Mas...
com beleza. Veja este “Poema retirado de uma lápide”:
-
“No
cemitério de Perdões
Laura
Alvarenga descansa.
Moça
bonita de 19 anos.
Falecida
em 1920.
Sentada
numa cadeira,
com um
grande laço
de fita
nos cabelos
e uns braços
que talvez
nem mesmo
Machado
sonharia
descrever em
seus
contos de Assis.
Laura
Alvarenga
de 19
anos de idade
e seus
olhos de Capitu.
Uma
fisionomia pensativa
e meio
triste de quem não
antevia a
sua própria morte,
que
chegaria tão cedo.
Na sua lápide
está escrito:
“Saudade
eterna de seus Paes
E irmãos.
87 anos depois
eu
contemplo a sua fotografia
num livro
de pesquisa e penso
que
gostaria de tê-la conhecido.
O que
sabemos nós da vida?”
-
Na
segunda parte vêm suas “Poesias traduzidas”. A primeira, curta, é muito bonita:
-
ADIAMENTO
-
“Trago
comigo meus poemas
que ainda
não foram escritos,
simplesmente
porque não se fizeram
e nem se
recolheram à sua impossibilidade.
E vou
deixando-os, portanto, para o dia
seguinte,
para a manhã seguinte, para
a vida
seguinte que não haverá.”
-
Augusto
dos Anjos volta com tudo em EXPURGO:
-
“hoje eu
mordi
Um
chumaço de
Papel
higiênico
Para
estancar
( ou
tentar conter )
O
sangramento
Da língua
dilacerada;
Como um
cadáver
Antecipado
que devora
O seu
próprio sudário.”
-
Na parte
denominada POEMAS SEQUENCIAIS, MILTON REZENDE traça quatro AUTORRETRATOS. Diz,
no começo do primeiro:
-
“Eu não
sou somente
Este
rosto jovem
Sou
também
Este
corpo magro
Estes
pulmões doentes
Este ser
descrente.”
-
No começo
do segundo:
-
“Eu sou
aquele
Que teve
de vender
A alma ao
diabo
Para ser
publicado;
Eu sou
aquele
Que teve
de vomitar
O próprio
sangue
Para se
fazer aceitável”
-
Fico
nesta lembrança d"O Grito", de Munch:
-
Há um
grito
Em mim
Que não
distingo
Do grito
Que ouço além
Da minha
surdez”.
-
Milton
Rezende. Apesar de continuar de luto - pelo filho, pelos ucranianos, pelos
brasileiros - e talvez por isso mesmo, desta vez, eu o li. Ainda bem.
-
Waldemar José Solha
Comentário sobre o livro Anímica
Milton,
meu camarada, como a nossa literatura
diz muito de nós mesmos, vejo na sua Anímica um grito que sufoca
a euforia das palavras para encontrar no silêncio a resposta aos barulhos que o
mundo nos empurra goela abaixo como se isso fosse uma faca a nos cortar as
entranhas e uma orquestra de órgãos humanos saltasse de dentro de nós para
tocar sobre nossa matéria uma valsa fazendo os ossos bailarem sobre a
fantasmagórica forma de estar/ser no(o) mundo. Sua poesia e sua prosa, meu
caro, me fizeram lembrar Manuel Bandeira abraçado ao silêncio dos dias para
aquecer sua solidão. Sua Anímica
é a orquestra que toca o ritmo empreendido à vida.
Jonas Pessoa.
sábado, 19 de março de 2022
O escritor brasileiro contemporâneo lê os seus pares?
O escritor brasileiro contemporâneo lê os seus pares? https://youtu.be/JrCBhQeI310 via