“Anímica” poesias e prosa poética é o 13º livro publicado do
escritor Milton Rezende que acaba de vir à público pela Editora Penalux. Na
orelha da obra Rezende fornece breve descrição de como o livro surgiu e de como
foi viabilizada a sua edição: “A ideia deste livro veio de uma
derivação. Eu já tinha pronto e no prelo, para sair, a minha Antologia
Poética. Acontece que era um projeto maior, que cobria grande parte da
minha produção poética ao longo destes exatos 36 anos de estrada literária, a
contar da data da publicação do meu primeiro livro, 1986. Então tornou-se
inviável economicamente, no curto prazo. Nesse ínterim surgiu a possibilidade
da inscrição em Ervália, MG, minha terra natal, numa iniciativa cultural no
âmbito da Lei Aldir Blanc. Remodelei meu projeto, enxuguei-o ao máximo para se
enquadrar aos valores e parâmetros estabelecidos pela Lei e o inscrevi ao
certame. Foi escolhido e agora ele é este livro que você tem nas suas mãos. Acolha-o,
como se acolhe um protótipo de algo maior, mas que, no entanto, pode ter a
certeza de que ele é autônomo e traz todas as características específicas a si
mesmo e nada fica a desejar ao corpo maior de onde foi extraído.”
Esclarecemos de saída que o termo Anímico deriva do grego
animé, que significa alma. Basicamente o livro é dividido
em 4 partes. Coletânea Cemiterial, Poesias traduzidas, Poemas sequenciais e Prosa
poética. Nele o leitor encontra o escritor
experiente, que faz perquirições existenciais de suma importância para o mundo
tresloucado no qual transformamos o que vivemos hoje. Quanto à primeira, parte
da obra, merece registro o fato de que Rezende é autor de outra obra publicada
em 2014 que tem o título de “A magia e a arte dos cemitérios”. Um alentado
estudo sócio-histórico sobre os cemitérios configurando-os como espaços em que
arquitetura, paisagem e artes visuais dialogam com a morte e onde aflora o
sentimento de angústia, inerente ao ser humano diante da certeza de seu fim.
Lugar onde, fundamentalmente, luto e melancolia, tristeza e dor, medo e
sobrenatural materializam-se e ganham evidência. A espacialidade desses
ambientes, onde a consciência da finitude humana se faz presente e nos instiga,
expõe também uma certa cultura material que age sobre nossos sentidos e ações e
revela um singular aspecto da morte domesticada. Como se isto nos fosse
possível...
Milton Rezende se refere à condição humana em uma estrofe do
poema “Poética I”:
... “Os homens estão todos presos / e o poema é apenas um
grito / que sufoca em palavras o desespero / dessa nossa cela absurda.”
Oportuna a publicação repetimos, porque no mundo hoje, para
além de uma pandemia que já ceifou 3,5 milhões de vidas, conflitos militares
aqui e ali seguem se multiplicando ameaçando desastres humanos de proporções
mundiais.
Embora nos questionemos pouco sobre a morte, acostumados que
vamos ficando com a ideia de ‘parquinho de diversão eterno’ em que querem
transformar (sem êxito algum), o planeta Terra. A humanidade segue sua
caminhada insensata fomentando paixões que consomem, ódios e diferenças que se
aprofundam.
Dono de um estilo que mistura lirismo com pitadas de ironia
e sarcasmo O autor nos faz refletir, por que as gerações se sucedem como
camadas de areia que acarretadas incessantemente pelas ondas, vão cobrir outras
camadas que as precederam? Por que esses trabalhos, essas lutas, esses
sofrimentos, se tudo deve terminar no sepulcro?
No poema “A voz do silêncio”, ainda na série da Coletânea
Cemiterial, o poeta a certa altura escreve:
... “Mas a terra / (com seus vermes) / decompõe ao seu
contato / todo o meu aprendizado / doloroso da vida.
E uma cova me absorvendo / transforma tudo o que fui / num
triste resumo de pó / que um dia se chamou homem.
E que lhe deram um nome / (que tive), mas que a terra /
aterra no tempo o traço / nominal dessa efemeridade.”
Em sua carreira, para onde vai, pois, o homem? Para o nada
ou para uma luz desconhecida? A natureza, risonha, eterna, moldura as tristes
ruínas dos impérios, com os seus esplendores. Nela nada morre, senão para
renascer. Leis profundas, uma ordem imutável, presidem às suas evoluções. Só o
homem, com suas obras, terá por destino o nada, o olvido? Qual o homem que a si
mesmo não pediu explicação desse mistério? E que não refletiu no que o espera a
si próprio? Seria a morte triste repouso no aniquilamento, ou, ao contrário, o
ingresso em outra esfera de sensações?
No meio de nossos rudes labores, nenhum ideal elevado,
nenhuma noção clara do destino nos sustém; daí nossos desfalecimentos morais, os
excessos de revoltas. Extinguiu-se a fé do passado; o ceticismo, e o materialismo
hedonista, substituíram-na, e, ao sopro destes, o fogo das paixões, dos
apetites do desejo, tem-se ateado. As convulsões nos chegam a todo momento. O
testemunho dos sentidos e a experiência da razão vão nos escapando a passos
largos.
Já em outro poema, “Ocorrência”, lemos:
“Tocar com os dedos / os meandros da verdade, / num
transporte de desejo / onde o ceticismo perde em essência, / já que acompanhado
do impulso de vida / que caracteriza a vontade da procura.
A pretensão de assim reter / uma parcela dos fatos / e com a
cumplicidade do sonho, / extrair um pouco de uma felicidade / que de tanto
escassa foi perdida / em delírios de falsa vitória.”
É preciso fazer florescer uma nova concepção do mundo e da
vida – e isto já foi falado muito! – um conhecimento de leis superiores, uma
afirmação da ordem e da justiça universais, apropriadas a despertar em nossos
corações uma fé mais firme e mais esclarecida no futuro, um sentimento profundo
de nossos deveres, um afeto real por nossos semelhantes, capazes de transformar
a face de nossas sociedades.
Estamos cansados de viver como cegos, ignorando a nós
mesmos, pois a satisfação das obras de uma civilização material e inteiramente
superficial não convencem. É preciso aspirar a uma ordem de coisas mais
elevada.
Custa crer que a vida seja mera ironia da sorte, ou o
resultado de um acaso estúpido. Há controvérsias sabemos, mas não damos sequer a
importância devida (porque não nos melhoramos individualmente), que certamente ela
é consequência de uma lei justa e equitativa, que abre perspectivas radiosas de
futuro, e fornece um alvo mais nobre sobre nossas ações, para que afinal, se
faça luzir um raio de esperança na noite das incertezas, aliviando o fardo de
nossas provações, e ensinando a não mais temer a morte.
Que dizer de um poema como “Ciclo II”?
Quando a chuva neutralizar / a esperança das flores no chão
/ uma semente irá se desenvolver / à imagem e perspectiva de tornar-se, /
sintetizando em si todo o anseio dos homens / para que de seus ossos não se
faça apenas / um cemitério, mas também um canteiro.”
Dizem que o filósofo francês Jules Michelet teria escrito
que “O amor não mata a morte, a morte não mata o amor. No fundo entendem-se
muito bem. Cada um deles explica o outro.” Talvez pensando nisto, Milton
Rezende tenha concluído seu livro Com 3 deliciosas prosas poéticas que, apesar
de se encadearem como passagens da vida de
um escritor solitário, têm a firme ancoragem justamente no amor.
Livro:
“Anímica”, Poesia e prosa poética de Milton Rezende – Editora Penalux, Guaratinguetá
– SP, 2022, 106p.
ISBN 978-65-5862-260-4
LINKS: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/animica
OU
https://www.facebook.com/milton.rezende.96
Book
Trailer da obra pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=xkqasVHAn3E
(*)
Krishnamurti Góes dos Anjos tem publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo
– Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,
Embriagado Intelecto e outros contos, Doze Contos & meio Poema e À flor da
pele – Contos. Participou de 28
Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Há textos
seus textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru,
Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último romance publicado pela editora
portuguesa Chiado – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro
lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira
de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com
resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a
crítica literária resenhou mais de 300 obras de literatura brasileira
contemporânea publicadas em diversos jornais, revistas e sites literários. //////
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