MILTON REZENDE
-
Há quatro
ou cinco anos, recebi um livro dele e lhe pedi desculpas porque me pareceu
muito pesado para o momento que atravessava: o do câncer que acabaria por levar
meu filho. Agora, quando emendamos a pandemia à infame guerra da Rússia contra
a Ucrânia, amargando um nosso governo que chega a ser sinistro, recebo ANÍMICA,
novo livro de MILTON REZENDE – editado pela Penalux – cuja
primeira parte, “Coletânea Cemiterial” – abre com o poema “Na Lápide de Augusto
dos Anjos", em que se lê que
“seus
versos (...) subsistiram aos vermes
que agora
me espreitam”.
Minha
reação me mostra que meu problema persiste. Dói, ler, em “A sentinela que
fica”, que
“Existe
uma imensa solidão em mim”.
Mais
adiante, “Velório” me faz engolir em
seco:
-
“O
defunto estava com as mãos cruzadas sobre o peito.
Flores
cobriam todo seu corpo e o rosto estava lívido.
Os braços
eram demasiado magros e cadavéricos”.
-
O efeito
Edgar Allan Poe sobre Augusto dos Anjos, fora repassado para Milton Rezende,
mesmo sem a linguagem científica e de ritmo contundente do paraibano. Mas...
com beleza. Veja este “Poema retirado de uma lápide”:
-
“No
cemitério de Perdões
Laura
Alvarenga descansa.
Moça
bonita de 19 anos.
Falecida
em 1920.
Sentada
numa cadeira,
com um
grande laço
de fita
nos cabelos
e uns braços
que talvez
nem mesmo
Machado
sonharia
descrever em
seus
contos de Assis.
Laura
Alvarenga
de 19
anos de idade
e seus
olhos de Capitu.
Uma
fisionomia pensativa
e meio
triste de quem não
antevia a
sua própria morte,
que
chegaria tão cedo.
Na sua lápide
está escrito:
“Saudade
eterna de seus Paes
E irmãos.
87 anos depois
eu
contemplo a sua fotografia
num livro
de pesquisa e penso
que
gostaria de tê-la conhecido.
O que
sabemos nós da vida?”
-
Na
segunda parte vêm suas “Poesias traduzidas”. A primeira, curta, é muito bonita:
-
ADIAMENTO
-
“Trago
comigo meus poemas
que ainda
não foram escritos,
simplesmente
porque não se fizeram
e nem se
recolheram à sua impossibilidade.
E vou
deixando-os, portanto, para o dia
seguinte,
para a manhã seguinte, para
a vida
seguinte que não haverá.”
-
Augusto
dos Anjos volta com tudo em EXPURGO:
-
“hoje eu
mordi
Um
chumaço de
Papel
higiênico
Para
estancar
( ou
tentar conter )
O
sangramento
Da língua
dilacerada;
Como um
cadáver
Antecipado
que devora
O seu
próprio sudário.”
-
Na parte
denominada POEMAS SEQUENCIAIS, MILTON REZENDE traça quatro AUTORRETRATOS. Diz,
no começo do primeiro:
-
“Eu não
sou somente
Este
rosto jovem
Sou
também
Este
corpo magro
Estes
pulmões doentes
Este ser
descrente.”
-
No começo
do segundo:
-
“Eu sou
aquele
Que teve
de vender
A alma ao
diabo
Para ser
publicado;
Eu sou
aquele
Que teve
de vomitar
O próprio
sangue
Para se
fazer aceitável”
-
Fico
nesta lembrança d"O Grito", de Munch:
-
Há um
grito
Em mim
Que não
distingo
Do grito
Que ouço além
Da minha
surdez”.
-
Milton
Rezende. Apesar de continuar de luto - pelo filho, pelos ucranianos, pelos
brasileiros - e talvez por isso mesmo, desta vez, eu o li. Ainda bem.
-
Waldemar José Solha
Nenhum comentário:
Postar um comentário