segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ANTOLOGIA POÉTICA - LITERÁRIA I


 

Finalmente a ideia de se organizar uma “Antologia Poética” do poeta ervalense Milton Rezende.  Foram 7 livros de poesia publicados no intervalo que vai de 1986 a 2017. Portanto mais de 30 anos de estrada literária. Aqui, neste volume, estão reunidos 184 poemas bastante expressivos e representativos do seu itinerário poético e escolhidos dentre todos os seus livros publicados. Tendo, inclusive, quatro poemas inéditos do livro igualmente inédito “Da Essencialidade da Água”.

O critério escolhido para a seleção dos poemas foi o de usar como base o livro “Tempo de Poesia: Intertextualidade, Heteronímia e Inventário Poético em Milton Rezende”, de Maria José Rezende Campos que disserta sobre a obra do autor e também em outras fontes e meios literários no Brasil e alguns até no exterior que divulgaram seus trabalhos poéticos. Portanto são poemas que já passaram pelo crivo e pelas análises de outras pessoas, além do próprio autor.

Num universo total que gira em torno de uns 410 poemas, esta coletânea apresenta mais da metade de tudo que o poeta escreveu ao longo destas três décadas, portanto um painel bastante representativo onde o leitor poderá encontrar uma amostra consistente do que representa o legado deste escritor que é tido como uma espécie de celebridade rural, quase desconhecida e escondido nas montanhas de Minas Gerais, mas “de grande influência no cerco artístico-literário da Zona da Mata Mineira na década de 1980, de onde, com certeza, é um dos principais nomes da Literatura Contemporânea”(F.A.)

 

www.miltoncarlosrezende.com.br

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

OUTRO SILVA IS DEAD



 

                                                               “saí para me divertir,

                                                                            acabei num enterro.

                                                                            um parente distante.”

                                                                                   (Dostoiévski)

Por Ferreira Jr. (*)


            Eu não sabia até então. Sexta-feira de chuva fina e o colapso do mundo sendo alardeado por todos e em tudo quanto é canto. Desliguei-me das pessoas mais em função disso, pois preferia a visão das nuvens e dos pássaros que eu alimentava como se estivesse longe. Não estava. A realidade me cerceava e eu saí para encher a cara. Num pequeno beco sem saída havia um boteco e logo em frente o cemitério.

            Entre um gole e outro passou o cortejo fúnebre e resolvi acompanhar. Durante o percurso fui informado que se tratava da morte de um sujeito conhecido como “Outro Silva”, aliás, pouco conhecido, a julgar pelo nome. Afinal são tantos silvas que um silva a mais ou um a menos não faria, àquela altura, muita diferença. Como se fosse um silvo no deserto.

            Devido a esta singularidade do nome do defunto, resolvi acompanhá-lo até sua última morada e no trajeto tentaria saber mais sobre o cadáver. Entabulei conversação com um senhor de meia-idade que estava do meu lado, julgando que fossem parentes. Na verdade, só trabalhavam juntos num escritório mixuruca de contabilidade e redação de textos para jornais.

            Alexandre Barret era o nome da pessoa com a qual eu falava. Indagado a respeito do falecido disse-me que o “Outro Silva” era um homem estranho como o próprio nome, mas davam-se bem no serviço diário onde se encontravam como empregados de um proprietário, que morava numa cidade distante e repassava as suas ordens por telefone ou por e-mail.

            Numa dessas ordens foi que o “Outro Silva” se destacou, produzindo sob encomenda seu único texto re/conhecido: “Gênese de um nome e de um livro”, que acabou sendo publicado como apresentação ao livro “Textos e Ensaios”, do escritor mineiro Milton Rezende.

            “Depois disso, apesar da pequena repercussão favorável aos seus escritos, não produziu mais nada que eu saiba e entrou assim numa espécie de recesso das ideias”, disse-me o Barret sobre o seu finado amigo, quando já ultrapassávamos o portão de grades da entrada do cemitério. Poucas pessoas acompanhavam o cortejo, pois atualmente já não se usa muito celebrar os rituais da morte e ela, esvaziada do seu contexto histórico, aninhou-se no subconsciente humano produzindo ali estragos ainda maiores de quando era uma senhora respeitada na sociedade.

            A causa da morte do “Outro Silva”, conforme atestado de óbito assinado pelo médico plantonista, Dr. Carlos Águia, teria ocorrido em função de “insuficiência respiratória aguda, edema agudo do pulmão, infarto agudo do miocárdio e hipertensão arterial sistêmica”. Contava 47 anos.

            Foi enterrado ao lado do finado Tibúrcio Soledade que, segundo consta, teria sepultado a si mesmo no quintal de sua própria casa numa crise de identidade. Mais tarde seu corpo foi transladado para este cemitério e agora jazem os dois em covas rasas, esquecidos de si mesmos e dos homens com os quais haviam convivido.

            Despedi-me do Alexandre Barret na saída e uma vaga nuvem de tristeza rondava-me os olhos lacrimejantes. Voltei ao boteco do beco para celebrar a continuidade da vida num ninho de passarinho que eu vira construído no coqueiro ao lado do túmulo do “Outro Silva”.

            Sobre a mesa do bar estava um exemplar do Diário de Notícias, estampando em letras garrafais a corrupção nossa de cada dia e a cara dos políticos escarnecendo das nossas caras de otários. Um sujeito passou na rua de carro e deu para acompanhar o refrão da música de rap que tocava através do pen drive: “era só mais um silva que a estrela não brilha”.

 

(*) Ferreira Jr. é um heterônimo de Milton Rezende

 

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