26 de mai. de 2021
Feito estilhaços no tempo
Por Milton Rezende
Confidencial
Nada consta.
Consta que seja um nada
em face a uma constância
de extremos inarredáveis.
Enfim
um nada consta sobre
outro consta um nada
-- A vida incerta do homem --
Nas folhas gastas do mundo
não consta nada em
detrimento desse nome.
Um simples nome em meio
a tantos outros no arquivo
de uma gaveta metálica.
Saldo
De cotidianos resíduos
arrancados na solidão de prisioneiro
em que todo o meu ser se devora,
tento compor uma imagem humana
que me faça aceitável a mim mesmo.
No silêncio da morte aparente
na qual me recolho ao túmulo previsto
não sei com que ânsia mórbida de calma,
procuro juntar os cacos de culpa diária
que reunidos formam um apelo ao suicídio.
E não é só o remorso das manhãs doentias
pelo que na noite se desfez em delírios
de humana fraqueza cansada de si mesma,
é todo um saldo de perdas que tenho que fazer
e lançar no cômputo geral das misérias minhas.
De cotidianos resíduos
recolhidos no isolamento mental de indivíduo
em que todo o meu ser se liberta,
tento compor uma imagem poética
que se faça de ideias e despreze a vida.
O sol nas vidraças
A tarde de setembro
fecha o cerco
sobre o quarto claro,
e o sol nas vidraças
não faz lembrar
o temporal de ontem.
As águas da chuva
descem pelo esgoto
sob a cidade lavada,
e o rio na planície
não deixa esquecer
o ciclo natural das coisas.
O destino das nascentes
sintetiza de forma mimética
a trajetória emocional
de um objeto humanizado.
Agora é andar obscuro
contra a corrente
e deixar que a pedra
arrebente a vidraça.
Depois o sol um dia
vai incidir o seu enigma
sobre uma antiga vitrine
depositária de nossos sonhos
-- feito estilhaços no tempo --
Do livro O acaso das manhãs (Edicon, 1986). Pedido de exemplares pelo e-mail coisasprobule@gmail.com. Preço: R$ 20,00 + R$ 10,00 frete = R$ 30,00.
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