quarta-feira, 21 de agosto de 2024

NOS LIMITES DA CIDADE


 

Na umidade das pedras

que configuram o fim da rua,

eu deixo a cidade com suas luzes

e embrenho-me no seu depósito de restos

batido pelo silêncio e o desdém dos vivos.

 

Atravesso com passos rápidos

os últimos vestígios onde se respira

e concentra a massa indistinta de seres

que comem carne e habitam em casas para

gerar filhos que conferem um breve hiato

ao fim da espécie que apodrece sob o barro.

 

Minhas botas estalam nas pedras

como o casco de um animal inútil,

e os últimos postes de luz elétrica

escarnecem o meu propósito de deixá-los

para além de sua tarefa de apaziguar

os homens em seu conforto precário.

 

Olho para os lados para certificar-me

de que estou sozinho e então salto sobre

o muro de grades onde repousam os homens

que também comiam carne e geravam os filhos

de uma espécie da qual já não fazem parte.

 

Aqui foram deixados todos aqueles

que um dia não comeram carne e se tornaram inúteis.

E estão esquecidos aqui aonde venho encontrá-los

com seus semblantes de velhos idiotas que acreditavam.

 

Percorro os túmulos que abrigam os mortos

e me detenho nos epitáfios deixados

por parentes que na cidade desprezam estes restos

só pela lembrança de um dia já os terem beijado

na volúpia da carne que agora fede.

 

Antes de deixar o cemitério

e os despojos de carne mal digerida

desses cadáveres abandonados,

eu toco com minhas mãos sem luvas

a massa liquefeita de seus corpos.

 

Depois volto para a cidade

e acaricio os rostos dos filhos

com o excremento fétido de seus pais,

para que eles ainda sem sintam membros

de uma mesma adorável família putrefeita.

 


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