sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020


domingo, 4 de março de 2012

O TRABALHO DOS DIAS




Não posso dizer da vida
e de sua quantia, pois
não tenho como me reportar
a uma experiência anterior.

A vida, em função disto,
talvez seja mais símbolo
e espaço do interdito do
que o vivido propriamente.

Refugia-se em mim, no escuro
do verbo existir, a ausência
de sentido num cotidiano
excessivamente meu e nulo.

Do livro: Inventário de Sombras

sábado, 25 de fevereiro de 2012

ESTATUTO DE ERVÁLIA


(Baseado no poema “A Casa”, de Carlos Drummond de Andrade)


Há de dar para o Santo Cristo,
de poder a poder.
Na praça, a matriz,
de poder a poder.
Ter vista para o Cruzeiro
no alto do Santo Antônio,
de poder a poder.
Casas e árvores
comandando a paisagem.
Há de ter muitos espaços
de portas sempre abertas
ao olho e pisar do povo.
Poeira e barro da estrada
nas salas de visitas.
Rio Turvão nos fundos dos quintais
preservando os segredos
da infância e os cadáveres
de família, sepultados.
Terá um verde pasto
com o Herval escrito
no letreiro conservado,
sintetizando o sonho
do novo e do antigo
afinal reconciliados
nas distâncias encurtadas:
fogão de lenha e internet.
Cidade de muitas lembranças
(“e renda de picumã nos barrotes”),
lavouras em curvas de nível
e indústrias nascendo do esterco.
Ervália erguida
no trabalho coletivo, flores
aliviando o suor
e o cansaço dos homens,
recompensados da sede,
da fome e do frio
e do convívio com os mortos.
E as crianças que brincam
resgatando o passado
no presente infinito.
E que todas as pessoas esperem
o dia seguinte
e a Biquinha
alimente a sede
dos projetos futuros.
Ervália há de ser tudo isso,
mais o que sonhamos,
mais os poemas dormidos,
mais a água da chuva nos vidros,
mais os desenhos das nuvens,
mais tudo o que brota
deste solo vermelho e
um sol filtrado através das folhas
de bananeiras e das cercas de arame farpado.
E que todos os ervalenses
escrevam a história de uma terra
que seja a casa de todos,
do contrário não será nunca
a nossa cidade que somos
e que amamos ser,
na distância do encontro
e no silêncio (Careço) das almas.

Milton Rezende

sábado, 31 de dezembro de 2011

Mensagens

PASSAGEM DO ANO
-
Por Carlos Drummond de Andrade
-
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com
[sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
-
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
-
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
-
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
-
Surge a manhã de um novo ano.
-
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
-
(Do livro A rosa do povo, Editora Record, 1984)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Comentário


MILTON REZENDE, meu conterrâneo de Ervália, atesta que os ares de lá são benéficos à poesia. Este “A Sentinela em fuga” já é seu quarto livro de poemas e seguramente o mais bem realizado. Já havíamos falado aqui (09.10.2010) sobre seu livro anterior, “Uma escada que deságua no silêncio”, do qual demos então um curto poema. O novo livro, com seu título sugestivo, abre com uma composição de grande força poética, que também não podemos deixar de transcrever: “A Queda. Não digo que estou/ no fundo do poço/ porque este não é mensurável/ e sempre se pode cair mais ainda./Mas estou numa queda livre/ e vertiginosa./ A roupa do passado não me serve,/o presente é roto / e estou sem vestes para o futuro. /E numa queda os laços vão se rompendo/ se dissolvendo, / desagregando-se./Nenhum laço segura um homem/ que cai por muito tempo./ A dignidade é uma palavra para pessoas de pé./ Na horizontal os conceitos são outros”

(Gaveta do Ivo - 01/06/2011), por Ivo Barroso.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Vitrine





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terça-feira, 29 de novembro de 2011

opinião

"Sejamos claros: essa dissolução da cultura no todo cultural não acaba com o pensamento nem com a arte. É preciso não ceder ao lamento nostálgico pela idade do ouro, onde as obras-primas existiam aos montes. Velho como o ressentimento, desde suas origens, esse lugar-comum acompanha a vida espiritual da humanidade. O problema com o qual nos confrontamos é diferente e mais grave: as obras existem, mas, uma vez que as fronteiras entre a cultura e o divertimento não são mais claras, não há lugar para acolhê-las e dar-lhes sentido. Elas flutuam, pois, absurdamente, em um espaço sem coordenadas ou balizas. Quando o ódio pela cultura torna-se ele próprio cultural, a vida com o pensamento perde todo significado.
A barbárie acabou por se apoderar da cultura. Na sombra dessa grande palavra a intolerância cresce, ao mesmo tempo que o infantilismo. Quando não é a identidade cultural que encerra o indivíduo em seu domínio, e que, sob pena de alta traição, recusa-lhe o acesso à dúvida, à ironia, à razão -- a tudo que poderia destacá-lo de sua matriz coletiva, é a indústria do lazer, essa criação da época da técnica, que reduz as obras do espírito a quinquilharias (ou como se diz na América, entertainement). E a vida com o pensamento cede suavemente o lugar ao face-a-face terrível e irrisório do fantástico e do zumbi". (Alain Finkielkraut).

depoimento

tão importante quanto publicar é a divulgação e a distribuição do livro, e esse é o grande desafio colocado para autores e editores. Não basta ter qualidade literária e publicar, é importante fazer o livro chegar ao leitor e é preciso que ele seja lido pelas pessoas. Houve um tempo em que era muito difícil a publicação de um livro, sobretudo de poesia. Foi mais ou menos na época em que eu comecei, na década de 1980. A única alternativa era o autor bancar os custos da edição e depois ficar com todos aqueles exemplares encalhados em casa por muitos e muitos anos. Hoje é um pouco diferente: com o advento e a popularização da internet e agora também com as editoras por demanda, publicar já não é mais aquele bicho de sete cabeças. O difícil é o escoamento da produção e fazer com que o produto seja “consumido” pelo público leitor, numa palavra, o difícil é justamente esse público leitor e como chegar até ele. Confesso, sinceramente, que não sei como fazê-lo ou fazê-lo de uma forma eficiente.

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